Emir Sader
Professor, Sociólogo e Cientista Político
O que sabem os leitores dos diários
brasileiros sobre Cuba? O que sabem os telespectadores brasileiros sobre Cuba?
O que sabem os ouvintes de rádio brasileiros sobre Cuba? O que saberia o povo
brasileiro sobre Cuba, se dependesse da mídia brasileira?
O que mais os jornalistas da imprensa
mercantil adoram é concordar com seus patrões. Podem exorbitar na linguagem,
para badalar os que pagam seu salários. Sabem que atacar ao PT é o que mais
agrada a seus patrões, porque é quem mais os perturba e os afeta. Vale até dar
espaco para qualquer mercenário publicar calúnias contra o Lula, para, depois
jogá-lo de volta na lata do lixo.
No circo dessa imprensa recentemente
realizado em São Paulo, os relatos dizem que os donos das empresas – Frias,
Marinhos – tinham intervenções mais discretas, – ninguem duvida das suas
posiçõoes de ultra-direita -, mas seus empregados se exibiam competindo sobre
quem fazia a declaração mais extremista, mais retumbante, sabendo que seriam
recolhidas pela mídia, mas sobretudo buscando sorrisinho no rosto dos patrões
e, quem sabe, uns zerinhos a mais no contracheque no fim do mês.
Quem foi informado pela imprensa que há
quase 50 anos Cuba já terminou com o analfabetismo, que mais recentemente, com
a participação direta dos seus educadores, o analfabetismo foi erradicado na
Venezuela, na Bolívia e no Equador? Que empresa jornalística noiticiou? Quais
mandaram repórteres para saber como países pobres ou menos desenvolvidos
conseguiram o que mais desenvolvidos como os EUA ou mesmo o Brasil, a
Argentina, o México, náo conseguiram?
Mandaram repórteres saber como funciona
naquela ilha do Caribe, pouco desenvolvida economicamente, o sistema
educacional e de saúde universal e gratuito para todos? Se perguntaram sobre a
comparação feita por Michael Moore no seu filme "Sicko" sobre os
sistemas de saúde – em particular o brutalmente mercantilizado dos EUA e o
público e gratuito de Cuba?
Essas empresas privadas da mídia
fizeram reportagens sobre a Escola Latinoamericana de Medicina que, em Cuba, já
formou mais de cinco gerações de médicos de todos os países da América Latina e
inclusive dos EUA, gratuitamente, na melhor medicina social do mundo? Foi
despertada a curiosidade de algum jornalista, econômico, educativo ou não,
sobre o fato de que Cuba, passando por grandes dificuldades econômicas – como
suas empresas não deixam de noticiar – não fechou nenhuma vaga nem nas suas
escolas tradicionais, nem na Escola Latinoamericana de Medicina, nem fechou
nenhum leito em hospitais?
Se dependesse dessas empresas, se
trataria de um regime “decrépito”, governado por dois irmãos há mais de 50
anos, um verdadeiro “goulag tropical”, uma ilha transformada em prisão.
Alguém tentou explicar como é possivel
conviver esse tipo de sociedade igualitária com a base naval de Guantánamo? Se
noticiam regularmente as barbaridades que ocorrem lá, onde presos sob simples
suspeita, são interrogados e torturados – conforme tantas testemunhas que a
imprensa se nega em publicar – em condições fora de qualquer jurisdição
internacional?
Noticiam que, como disse Raul Castro,
sim, se tortura naquela ilha, se prende, se julga e se condena da forma mais
arbitrária possível, detidos em masmorras, como animais, mas isso se passa sob
responsabilidade norteamericana, desse mesmo governo que protesta por uma greve
de fome de uma pessoa que – apesar da ignorância de cronistas da família Frias
– não é um preso, mas está livre, na sua casa?
Perguntam-se por que a maior potência
imperial do mundo, derrotada por essa pequena ilha, ainda hoje tem um pedaco do
seu territorio? Escandalizam-se, dizendo que se “passou dos limites”, quando
constatam que isso se dá há mais de um século, sob os olhos complacentes da
“comunidade internacional”, modelo de “civilização”, agentes do colonialismo,
da escravidão, da pirataria, do imperialismo, das duas grandes guerras
mundiais, do fascismo?
Comparam a “indignação” atual dos
jornais dos seus patrões com o que disseram ou calaram sobre Abu-Graieb? Sobre
os “falsos positivos” (sabem do que se trata?) na Colômbia?
Sobre a invasao e os massacres no
Panamá, por tropas norteamericanas, que sequestraram e levaram para ser julgado
em Miami seu ex-aliado e então presidente eleito do país, Noriega, cujos 30
anos foram completamente desconhecidos pela imprensa? Falam do muro que os EUA
construíram na fronteira com o México, onde morre todos os anos mais gente do
que em todo tempo de existência do muro de Berlim? A ocupação brutal da
Palestina, o cerco que ainda segue a Gaza, é tema de seus espacos jornalisticos
ou melhor calar para que os cada vez menos leitores, telespectadores e ouvintes
possam se recordar do que realmente é barbarie, mas que cometida pela
“civilizada” Israel – que ademais conta com empresas que anunciam regularmente
nos orgãos dessas empresas – deve ser escondida? Que protestos fizeram os
empregados da empresa que emprestou seus carros para que atuassem os servicos
repressivos da ditadura, disfarçaados de jornalistas, para sequestrar,
torturar, fuzilar e fazer opositores desaparecerem? Disseram que isso “passou
de todos os limites” ou ficaram calados, para não perder seus empregos?
Mas morreu um preso em Cuba. Que
horror! Que oportunidade para bajular os seus patrões, mostrando indignação
contra um país de esquerda! Que bom poder reafirmar diante deles que se se foi
algum dia de esquerda, foi um resfriado, pego por más convivências, em lugares
que não frequentam mais; já estão curados, vacinados, nunca mais pegarão esse
vírus. (Um empregado da família Frias, casado com uma tucana, orgulha-se de ter
ido a todos os Foruns Econômicos de Davos e a nenhum Fórum Social Mundial.
Ali pôde conhecer ricaços e entrevistá-los, antes que estivessem envoldidos em escândalos, quebrassem ou fossem para a prisão. Cada um tem seu gosto, mas não dá para posar como “progressista”, escolhendo Davos a Porto Alegre.)
Ali pôde conhecer ricaços e entrevistá-los, antes que estivessem envoldidos em escândalos, quebrassem ou fossem para a prisão. Cada um tem seu gosto, mas não dá para posar como “progressista”, escolhendo Davos a Porto Alegre.)
Não conhecem Cuba, promovem a mentira
do silêncio, para poder difamar Cuba. Não dizem o que era na época da ditadura
de Batista e em que se transformou hoje. Não dizem que os problemas que têm a
ilha é porque não quer fazer o que fez o darling dessa midia, FHC, impondo duro
ajuste fiscal para equilibrar as finanças públicas, privatizando, favorecendo o
grande capital, financeirizando a economia e o Estado. Cuba busca manter os
direitos universais a toda sua população, para o que trata de desenvolver um
modelo econômico que não faça com que o povo pague as dificuldades da economia.
Mentem silenciando sobre o fato de que, em Cuba, não há ninguem abandonado nas
ruas, de que todos podem contar com o apoio do Estado cubano, um Estado que
nunca se rendeu ao FMI.
Cuba é a sociedade mais igualitária do
mundo, a mais solidária, um país soberano, assediado pelo mais longo bloqueio
que a história conheceu, de quase 50 anos, pela maior potência econômica e
militar da história. Cuba é vítima privilegiada da imprensa saudosa do Bush,
porque se é possivel uma sociedade igualitária, solidária, mesmo que pobre, que
maior acusação pode haver contra a sociedade do egoísmo, do consumismo, da
mercantilizacao, em que tudo tem preço, tudo se vende, tudo se compra?
Como disse Celso Amorim, o Ministro de
Relações Exteriores do Brasil: os que querem contribuir a resolver a situação
de Cuba tem uma fórmula muito simples – terminem com o bloqueio contra a ilha.
Terminem com Guantanamo como base de terrorismo internacional, terminem com o
bloqueio informativo, dêem aos cubanos o mesmo direito que dão diariamente aos
opositores ao regime – o do expor o que pensam. Relatem as verdades de Cuba no
lugar das mentiras, do silêncio e da covardia.
Diante de situações como essa, a razão e a atualidade de José Martí:
“Há de
haver no mundo certa quantidade de decoro,
como há de haver certa quantidade de luz.
Quando há muitos homens sem decoro, há sempre outros
que têm em si o decoro de muitos homens.
Estes são os que se rebelam com força terrível
contra os que roubam aos povos sua liberdade,
que é roubar-lhes seu decoro.
Nesses homens vão milhares de homens,
vai um povo inteiro,
vai a dignidade humana…
como há de haver certa quantidade de luz.
Quando há muitos homens sem decoro, há sempre outros
que têm em si o decoro de muitos homens.
Estes são os que se rebelam com força terrível
contra os que roubam aos povos sua liberdade,
que é roubar-lhes seu decoro.
Nesses homens vão milhares de homens,
vai um povo inteiro,
vai a dignidade humana…
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